A História da Economia Comportamental, um thread

Viés de aversão a perdas, ou porque a gente morre garrado no prejú de Magalu

Não só no mercado, mas na maioria das decisões que temos que tomar na nossa vida são “mistas”: há um risco de perda e uma oportunidade de ganho.
Uma forma simples de expressar uma decisão desse tipo é uma aposta. Os pesquisadores Kahnemann e Tversky montaram uma aposta da seguinte forma:
“Se você jogar essa moeda e der cara, você ganha $150, mas se der coroa você perde $100. Topa a aposta?”
E eles descobriram que a maioria absoluta das pessoas rejeita a aposta, ainda que obviamente o valor esperado da aposta seja positivo (50%*150 – 50%*100). Segundo a conclusão deles, ainda que a rejeição à aposta seja uma escolha consciente, os inputs críticos dessa escolha são reações emocionais inconscientes. Mas é claro: uma decisão errada, na natureza selvagem, em geral representa o fim daquele que tomou a decisão errada, no mínimo uma meleca bem grande. O mundo selvagem não é fofinho, e os genes precisam de alguma forma garantir ao máximo que seus macacos de estimação tenham o máximo possível de aversão a perdas, pelo menos bem maior que a vontade de se dar bem.
Para as pessoas, as perdas computam como maiores que os ganhos. A esse viés, chamaram de “aversão a perdas”.
Ao perguntar ao mesmo público consultado na primeira aposta qual o ganho, caso desse cara, que faria com que aceitassem apostar, a resposta média ficou em $200, o dobro do valor da perda. É possível dizer que o peso que damos às nossas perdas é quase duas vezes maior que ao que damos aos nossos ganhos, e isso é um comportamento normal.
No mesmo estudo com tomadores de risco profissionais do mercado financeiro, descobriram que este público é mais tolerante a perdas, provavelmente porque respondem de forma menos emocional a qualquer flutuação do mercado.
A aversão à perda faz com o que o investidor, quando precisa de liquidez, se desfaça de suas posições ganhadoras e mantenha as posições perdedoras, porque a dor de assumir o prejuízo é duas vezes mais forte do que a “pena” que sente por encerrar uma posição vencedora.
Esse viés, obviamente, também impede o investidor de fazer investimentos nos momentos de menor assimetria de risco, tudo isso por medo de se arrepender de uma decisão, já marcada pela dor da perda em outros investimentos.
É um viés bem simples de compreender e de identificar pela via estatística, completamente irracional, inexplicável sob o ponto de vista lógico/matemático. Porém, é um viés no qual TODOS NÓS caímos um dia.
Nossa consistência no mercado de ações depende E MUITO do controle desse nosso viés, ou seja, de analisar perdas e ganhos com mais racionalidade.
Um exemplo dos mais importantes é o maldito do stop. Essa ferramenta, quando planejada antes de você entrar no calor do trade, provavelmente foi planejada corretamente; ver a posição chegando perto do stop, graças a esse viés irracional de aversão ao risco, pode tornar irresistível a decisão de mexer no stop ou mesmo tirar o stop. Isso porque a expectativa de lucro que você tem quando planejou o trade pesa muito menos na tomada de decisão do que o medo do prejuízo associado ao stop. É uma atitude irracional, que só parece adequada porque, no calor, as emoções começam a tomar conta.
LIÇÃO DO VIÉS: Uma vez que a sistemática de trade que você usa determinou uma posição para um stop, o stop tem de ser deixado lá, e nunca mexido ou cancelado. NUNCA. O viés da aversão ao risco vai estar sempre por perto para te comer.
(Mesmo com anos de mercado essa é uma armadilha muito forte, cuidado. Então MUITO CUIDADO com o “nunca diga nunca”, também).
Agora, podemos voltar à thread da história da nossa consciência.

História da Economia Comportamental, pt. 1

O fundamento básico dos nossos vieses cognitivos é a nosso cérebro reptiliano. Nos últimos seis milhões de anos, nossa linha evolutiva experimentou um rápido crescimento na consciência e a incrível capacidade de raciocinar de uma maneira que nenhuma outra espécie na Terra pode. Demos um grande passo na escada da consciência, o problema é que esse passo foi muito maior que as pernas.

Nosso cérebro consciente é brilhante, totalmente racional, elevado e iluminado. Mas, as forças animais primitivas que ainda vivem dentro da nossa cabeça são antigas, muito antigas, e é muito fácil a gente deixar nossas reações serem tomadas por elas. Sabemos perfeitamente bem que podemos tomar decisões absolutamente estúpidas quando levados pela raiva ou pelo medo, que pensamos só com a cabeça de baixo quando estamos com tesão, que temos um senso de moral, podemos sentir pena, empatia, inveja… nossas emoções não podem ser racionalizadas, e a nossa tomada de decisão, que deveria ser racional, é sim embalada pelas nossas emoções.

Acontece que a teoria econômica moderna é baseada num substituto altamente simplificado do Homo sapiens: uma criatura fictícia chamada Homo economicus, que é um indivíduo que toma todas suas decisões com base na racionalidade pura. O Homo economicus sempre analisa todos os custos de oportunidades envolvidos em cada tomada de decisão, e analisa corretamente o custo-benefício de cada uma delas. Assim, ele sempre faz as escolhas mais acertadas e sempre otimiza seus resultados.

Essa criatura conceitual é a que viabiliza os grandes modelos teóricos da economia que existem hoje, desde a Teoria dos Jogos até a tese dos mercados eficientes de Eugene Fama que, apesar de controversa, continua sendo o modelo mais popular para explicar os vai e vens do mercado financeiro. É claro que, ainda que o conceito do Homo economicus não faça muito sentido na prática, ele é importante para basear teorias e análises para o estudo individuo econômico; essa simplificação teórica da complexidade do comportamento permite a sua modelagem, e também que os economistas foquem apenas em atributos importantes que representam algum nível de previsibilidade nesse comportamento.

Acontece que, comparado ao Homo economicus fictício, os humanos de verdade se comportam muito  muito mal, e isso significa que os modelos econômicos fazem muitas previsões ruins, previsões que podem ter consequências muito sérias. É um exemplo que Thaler dá dessas consequências: “praticamente nenhum economista viu a crise financeira de 2007-10 chegando e, pior, muitos pensaram que tanto o crash quanto suas consequências eram coisas que simplesmente não poderiam acontecer. (Um economista que previu o colapso do mercado imobiliário foi meu colega economista comportamental Robert J. Shiller, de Yale)”. Trataremos disso mais à frente.

Thaler, a propósito, é o pai da economia comportamental. Ele parte da premissa de que precisamos de uma abordagem mais complexa do ser humano para fazer pesquisa econômica. A boa notícia é que, segundo ele, não precisamos jogar fora tudo o que sabemos sobre como as economias e os mercados funcionam. Teorias baseadas no modelo do Homo economicus não devem ser descartadas. Eles continuam sendo essenciais como pontos de partida para modelos mais realistas, que venham a considerar, gradativamente, a complexidade do comportamento humano.

Então, economia comportamental é isso. Continua sendo economia, mas é economia desenvolvida com fortes contribuições do que há de melhor na psicologia, antropologia, sociologia e outras ciências sociais. É a economia que estuda o comportamento humano mais próximo da realidade das nossas limitações cognitivas e comportamentais, e elabora modelos cada vez mais adequados da nossa realidade.

 

Fonte: THALER, Richard. Misbehaving: A construção da economia comportamental. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019.