O fundamento básico dos nossos vieses cognitivos é a nosso cérebro reptiliano. Nos últimos seis milhões de anos, nossa linha evolutiva experimentou um rápido crescimento na consciência e a incrível capacidade de raciocinar de uma maneira que nenhuma outra espécie na Terra pode. Demos um grande passo na escada da consciência, o problema é que esse passo foi muito maior que as pernas.

Nosso cérebro consciente é brilhante, totalmente racional, elevado e iluminado. Mas, as forças animais primitivas que ainda vivem dentro da nossa cabeça são antigas, muito antigas, e é muito fácil a gente deixar nossas reações serem tomadas por elas. Sabemos perfeitamente bem que podemos tomar decisões absolutamente estúpidas quando levados pela raiva ou pelo medo, que pensamos só com a cabeça de baixo quando estamos com tesão, que temos um senso de moral, podemos sentir pena, empatia, inveja… nossas emoções não podem ser racionalizadas, e a nossa tomada de decisão, que deveria ser racional, é sim embalada pelas nossas emoções.

Acontece que a teoria econômica moderna é baseada num substituto altamente simplificado do Homo sapiens: uma criatura fictícia chamada Homo economicus, que é um indivíduo que toma todas suas decisões com base na racionalidade pura. O Homo economicus sempre analisa todos os custos de oportunidades envolvidos em cada tomada de decisão, e analisa corretamente o custo-benefício de cada uma delas. Assim, ele sempre faz as escolhas mais acertadas e sempre otimiza seus resultados.

Essa criatura conceitual é a que viabiliza os grandes modelos teóricos da economia que existem hoje, desde a Teoria dos Jogos até a tese dos mercados eficientes de Eugene Fama que, apesar de controversa, continua sendo o modelo mais popular para explicar os vai e vens do mercado financeiro. É claro que, ainda que o conceito do Homo economicus não faça muito sentido na prática, ele é importante para basear teorias e análises para o estudo individuo econômico; essa simplificação teórica da complexidade do comportamento permite a sua modelagem, e também que os economistas foquem apenas em atributos importantes que representam algum nível de previsibilidade nesse comportamento.

Acontece que, comparado ao Homo economicus fictício, os humanos de verdade se comportam muito  muito mal, e isso significa que os modelos econômicos fazem muitas previsões ruins, previsões que podem ter consequências muito sérias. É um exemplo que Thaler dá dessas consequências: “praticamente nenhum economista viu a crise financeira de 2007-10 chegando e, pior, muitos pensaram que tanto o crash quanto suas consequências eram coisas que simplesmente não poderiam acontecer. (Um economista que previu o colapso do mercado imobiliário foi meu colega economista comportamental Robert J. Shiller, de Yale)”. Trataremos disso mais à frente.

Thaler, a propósito, é o pai da economia comportamental. Ele parte da premissa de que precisamos de uma abordagem mais complexa do ser humano para fazer pesquisa econômica. A boa notícia é que, segundo ele, não precisamos jogar fora tudo o que sabemos sobre como as economias e os mercados funcionam. Teorias baseadas no modelo do Homo economicus não devem ser descartadas. Eles continuam sendo essenciais como pontos de partida para modelos mais realistas, que venham a considerar, gradativamente, a complexidade do comportamento humano.

Então, economia comportamental é isso. Continua sendo economia, mas é economia desenvolvida com fortes contribuições do que há de melhor na psicologia, antropologia, sociologia e outras ciências sociais. É a economia que estuda o comportamento humano mais próximo da realidade das nossas limitações cognitivas e comportamentais, e elabora modelos cada vez mais adequados da nossa realidade.

 

Fonte: THALER, Richard. Misbehaving: A construção da economia comportamental. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019.